[Livro] Nevasca
Título: Nevasca (Snow Crash)
Autor: Neal Stephenson
Editora: Aleph
The science fiction approach doesn’t mean it’s always about the future;
It’s an awareness that this is different.– Neal Stephenson, September 1999
Nada como um livro depois do outro. Certos livros podem te decepcionar; outros acabam não sendo tão bons quanto poderiam ser; outros podem nem ser tão ruins, mas não chegam a ter algum diferencial; e claro, existem aqueles que são uma verdadeira perda de tempo. Este aqui é diferente; este vale a pena.
Seu período histórico seria aproximadamente um futuro próximo em termos tecnológicos e políticos, mas em termos cronológicos ele seria o nosso presente, provavelmente se passando nos primeiros anos do século XXI. Em comparação com o nosso presente, a maior diferença é claramente no aspecto político: Os E.U.A. praticamente não existe mais; no seu lugar surgiu um aglomerado de uma espécie de “cidades-estado” chamadas suburbiclaves (burbclaves – suburban enclaves), junto a verdeiros estados-shoppings e grandes franquias comerciais dos mais diversos tipos. O cenário fica com um aspecto interessante quanto as estradas, terra dos Kouriers, uma versão moleque-de-skate dos nossos motoboys, que usam arpões magnéticos para pegar uma carona nos carros. Ah, também existe a super-inflação, que produziu notas de trilhões de dólares.
No aspecto tecnológico, nada muito estranho para os fãs de sci-fi. Roupas inteligentes, rodas inteligentes, bolsos inteligentes, muitas luzes e alguma gosma. Destaque para a “coisa-rato”, uma espécie de cão biônico alimentado por uma bateria nuclear radioativa que nos momentos de stand-by vive em seu próprio mundo virtual. E claro que também não poderia faltar o mundo virtual alternativo, aqui chamado de “Metaverso”, um pouco mais simples e mundano e muito menos “imersiva” que a Matrix de Gibson. Ele é um mundo virtual parecido com o nosso, onde as pessoas interagem umas com as outras através de avatares e fazem tudo que poderiam fazer no mundo real. Sim, é uma espécie de second-life, só que você o acessa por óculos 3D especiais, que dão uma certa certa imersividade ao mundo.
Neste mundo acompanhamos a vida de Hiro Protagonist (parece que ele estava sem muitas ideias para fazer nomes de protagonistas), o melhor espadachim do mundo, super-hacker e entregador de pizzas, o nosso samurai japonês cor-de-capuccino e cabelo rastafári (yes, lol). E também encontramos Y.T., uma kourier adolescente com seus 14, 15 anos, impetuosa, loirinha, gatinha, que fica toda molhadinha com qualquer coisa e que faz uma baita pose de durona, ou seja, todas as características de uma perfeita adolescente, e com uma certa sorte de protagonista (ou inteligência de não-adolescente em certos momentos). Os personagens são bem definidos e profundos. Mas antes de prosseguir na história, quero parabenizar o autor por um incrível golpe de “eliminação de personagens coadjuvantes”. O livro começa a apresentar a história de um cara, como ele viveu sua infância, faculdade, como ele se juntou à máfia e seus sonhos de subir na hierarquia. Eis que um dia ele recebe uma mensagem do próprio Tio Enzo (o “Don” da máfia atualmente), e ele vai pessoalmente cuidar dessa entrega com todo o cuidado possível. Chegando no ponto de entrega, um dos grandes da máfia o recebe com a maior rispidez possível, suspirando a incrível ignorância do cara, que ficou achando que Tio Enzo queria alguma coisa com ele. Ninguém ali queria ele, era pra ele mandar a nossa protagonista kourier e só, ele tinha acabado de fazer uma baita cagada, que voltasse para casa e nunca mais desse as caras ali. Pronto. Encerrada a participação de mais um personagem. Simples, limpo, genial.
Agora vamos para a história, que começa com uma narrativa policial fanfarrona, até parece que “O Entregador” é um agente secreto. As pizzas são apenas um mero detalhe. Até poderia ser, visto que todas as pizzarias pertencem à máfia, e se você atrasar uma entrega de pizzas, não terá problemas com um cliente, terá problemas com o próprio Don. E é claro que é quase isso o que acontece com Hiro, ao pegar uma entrega com o prazo quase estourado de uma pizzaria em chamas. Ele corre feito um louco, fica puto quando é “poado” (pego pelo arpão) de um kourier, e na ânsia de entregar a tempo, bate o carro numa piscina vazia. O kourier na verdade é a nossa kourier, Y.T.
Os dois se tornam meio que sócios, mas seguem caminhos distintos. Hiro pode ser um entregador (ou melhor, ex-entregador depois de detonar o carro), mas no metaverso ele é praticamente o Chuck Norris, um dos mítico hackers que programaram o início daquele lugar, e como tal ele é membro do Black Sun, um local VIP na realidade virtual. Um dia enquanto ele estava indo para o local, ele dá de cara com um cara muito… Peculiar, que lhe entrega um cartão misterioso escrito “Snow Crash – Rasgue para liberar sua amostra grátis”, dizendo ser uma droga especial. Hiro não dá bola. Lá dentro ele encontra mais uma vez com Juanita, seu namorico de faculdade, e depois ele vai ter uma conversa com seu amigo Da5id. Os dois são hackers das antigas, que fizeram os fundamentos do mundo falso. Na conversa com o Da5id, Hiro vê que o outro havia dado uma certa bola pro tal Snow Crash, e claro, os dois ficam curiosos para saber que diabos era aquilo. Como mandariam uma droga pelo mundo virtual? Provavelmente um vírus de computador, e nesse caso, eles não precisariam ter medo, afinal, eles tem os melhores antivírus existentes. O cara rasga o tal cartão (a propósito, os cartões são como arquivos no metaverso, entregar um cartão é transferir um arquivo). Então surge uma Daemon (um avatar controlado por computador, um NPC) segurando um rolo, ela abre o rolo diante de Da5id, que cai no chão e desloga. Hiro então descobre que aquela figura peculiar que tentou lhe entregar o cartão é ninguém menos que o Corvo, o grande vilão de nossa história, um assassino letal, indetectável e radioativo. E mais: um vilão que ninguém pode matar, pois ele está ligado a bombas nucleares que se ele morrer fazem Boom. Ele também descobre o que aconteceu de verdade com seu amigo: Ele estava em coma, com o cérebro em estado de patê.
Enquanto isso, ao salvar a entrega da pizza, Y.T. chama a atenção da máfia, e de mais um monte de gente. Inclusive dos federais. Sua mãe inclusive é um federal, e fica aquela baita dúvida sobre o que os federais fazem agora que o governo americano não manda em mais nada. Ela vive suas desventuras de adolescente, o que torna necessário mencionar outras coisas do cenário: O monopólio de L. Bob Rife, os portões celestiais do reverendo Wayne e A Jangada. O tal Bob Rife é um multi-milionário que detém o monopólio da fibra-ótica e da transmissão de informação e que ficou meio paranoico com a possibilidade de seus funcionários venderem informações. Os portões celestiais é uma religião carismática popular, que angariam adeptos como água, inclusive com a ajuda da tal Jangada, que é um Imenso aglomerado de barcos de todos os tipos e tamanhos, desde porta-aviões e petroleiros até caiaques. A missão dessa Jangada é pegar todos os pobres e infelizes do mundo inteiro e jogá-los nos EUA (yes, lol again). E então existe toda uma trama nisso tudo…
E enquanto isso Hiro fica um bom tempo em uma biblioteca virtual dada a ele por Juanita. Lá ele começa a descobrir o que as palavras, pensamentos, informática, religião, drogas e mitologia suméria tem em comum, além do plano para dominar o mundo, claro (lol ad infinitum). Já dei algumas pistas no post anterior, mais algumas pistas neste post. Mais que isso seria spoiler, e só vou dar um spoiler hoje: *SPOILER: Y.T. significa Yours Truly /SPOILER*. Se não entendeu, leia o livro. Se entendeu, leia assim mesmo.
Agora, as críticas. Na verdade eu tenho mais Avisos do que críticas em si. Avisos aos leitores incautos, que podem não parar para pensar e pesquisar sobre o que lê. Uma pessoa que não forme sua própria opinião pode sair por aí falando um monte de baboseiras. Literalmente. Neal pega algumas análises de poucos historiadores, e usa estas em específico para traçar uma trama bastante complexa, e também comete alguns erros crassos de hermenêutica bíblica. Ou seja, defeitos que são de certa forma parecidos com os dos livros do Dan Brown, com a diferença que neles os defeitos são o ponto central do livro, que geram o hype vendedor de milhões, já no nevasca esses fatos são detalhes que apenas tornam a trama ainda mais intrigante. São ideias fabulosas, extremamente interessantes e que podem render horas de reflexão. Ah sim, mais um aviso: Este livro contém uma cena de pedofilia. Aposto que a maioria nem nota o que está acontecendo, ou adora a cena sem se dar conta do que ela é na verdade. Se não deixasse o aviso talvez nem notasse, mas eu deixo apenas o aviso. Pense por si mesmo e reflita na sua reação.
Então, fica aí a minha dica de leitura. E meu aviso:
Cuidado:
Trouxeram armas ao Paraíso.
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